Marco
Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
O Tribunal
Regional Federal da 3ª Região absolve, por unanimidade, réu acusado de crime
contra a ordem tributária, aplicando o princípio do in dubio pro reo, em
face da ausência de certeza quanto à materialidade delitiva.
Os
julgadores consideraram possível a presunção utilizada pela administração
tributária, na esfera administrativa, não sendo suficiente para embasar
condenação criminal. Portanto, havendo dúvida razoável sobre a ocorrência do
referido ganho de capital, a decisão há de favorecer o réu.
O aludido
“in dubio pro reo” é um princípio jurídico, significando que “na dúvida, a
favor do réu”. Havendo, portanto, dúvida quanto a culpa do acusado em um
processo criminal, tal dúvida deve ser interpretada em benefício do réu,
levando a sua absolvição, como ocorreu, no caso julgado, cuja EMENTA é a
seguinte:
E M E N T
A PENAL.
APELAÇÃO
CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, INCISO I, DA LEI Nº
8.137/90. SONEGAÇÃO. IRPF. GANHO DE CAPITAL EM RAZÃO DA ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS.
AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO PARCIAL. DUAS
ALIENAÇÕES INFERIORES A R$ 20.000,00. ALIENAÇÃO REMANESCENTE. MATERIALIDADE NÃO
COMPROVADA. PRESUNÇÃO DO GANHO DE CAPITAL. IN DUBIO PRO REO. APELAÇÃO DA
DEFESA PROVIDA. 1. Na Representação Fiscal para Fins Penais nº
19311.720049/2018-34, elaborado pela Delegacia da Receita Federal do Brasil em
Jundiaí, apontava-se a possível prática por LUIZ, e outros, de crime contra o
sistema financeiro nacional (ID 292210637, pág. 14/18). Essa representação
originou a ação criminal nº 5013050 69.2021.4.03.6105, cuja denúncia descreve
que LUIS e Daniele, agindo irregularmente como instituição financeira,
construíram um esquema de pirâmide e utilizaram-se de contas bancárias de
terceiros para encobrir suas atividades, incorrendo, assim, nos seguintes
crimes: art. 1º, inciso II, c/c. art. 16, ambos da Lei 7.492/86; art. 2º,
inciso a Lei 1.521/51; art. 1º, caput e §4º, da Lei 9.613/98; e art. 171 do
Código Penal, todos por 06 (seis) vezes, na forma do art. 69 do Código Penal.
2. O presente feito relaciona-se à a Representação Fiscal para Fins Penais nº
19311-720.233/2018-84, que tratou da eventual prática por LUIS de sonegação
fiscal ante a omissão de receita pelo ganho de capital, pela pessoa física,
obtido em alienações imobiliárias (ID 292211902, pág. 13/17). 3. O fato de
as ações decorrerem todas de uma mesma fiscalização não importa em dupla
imputação pelo mesmo fato, na medida em que se tratam de imputações distintas,
relacionadas cada qual a uma suposta conduta ilícita praticada pelo ora
apelante. 4. Sendo a imputação objeto do presente feito diversa daquelas
realizadas nas ações criminais de números 5013050-69.2021.4.03.6105 e
5010460-85.2022.4.03.61.05, não há que falar-se em bis in idem.
5.
Verifica-se, acerca do débito tributário dos autos que houve o esgotamento da
via administrativa e inscrição em dívida ativa, estando preenchido o requisito
necessário para o início da persecução penal em relação ao crime previsto no
artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137 /90. 6. A Lei nº 10.522/2002, em seu artigo
20, com a redação dada pela Lei nº 11.033/2004, afastou a execução de débitos
fiscais de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), demonstrando
a falta de interesse fiscal da Administração Pública relativo a tributos que
não ultrapassem este limite monetário. 7. A Portaria MF nº 75, de 22/03/2012,
majorou o valor anteriormente fixado para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 8. O
valor dos tributos suprimidos deve ser avaliado desconsiderando o “quantum”
relativo à multa e juros, em consonância com a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça, que exclui multa e juros para aferir se o valor objeto de
delito de natureza tributária é abrangido ou não pelo princípio da
insignificância. 9. No caso, o valor dos tributos suprimidos em relação aos
fatos geradores de 18/10/2013 (alienação do imóvel de matrícula x, localizado
na Rua D, quadrante C, bairro x, Holambra/SP, do qual o apelante LUIS detinha
25%, para Marcos); e 30/01/2013 (alienação de dois lotes – matrículas de números
x –localizados na Rua x, Pedreira/SP, para Ana), desconsiderados juros e multa,
perfaz cifra, para cada um, inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 10. Cabível,
portanto, em ambos os casos, a aplicação do princípio da insignificância, nos
termos das Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, que, na prática,
acabaram por alterar a previsão contida no artigo 20 da Lei nº 10.522/02, já
que o valor do tributo nas três alienações imobiliárias não excede a
R$20.000,00 (vinte mil reais). 15. Há dúvida razoável acerca da materialidade
da alienação remanescente – a alienação pelo apelante dos lotes à Roseane.
16. É possível à jurisdição penal, sim, adentrar “no mérito” do auto de
infração para eventualmente concluir que não houve sonegação em determinado
caso. O contrário seria inadmissível delegação de competência e grave atentado
às garantias individuais. O contribuinte já viria condenado da esfera
administrativa. 17. De acordo com o Termo de Verificação Fiscal, em relação a
alienação dos dois lotes supramencionados por R$ 150.000,00 (cento e cinquenta
mil reais), em 09/12/2014, como não havia elementos “para a identificação e
comprovação de custos, efetuamos o lançamento do IRPF incidente sobre o ganho
de capital considerando custo zero”. 18. O “ganho de capital” em transações
imobiliárias consiste no valor aferido pelo proprietário de imóvel que o
aliena, e é obtido a partir da diferença entre o valor da alienação e o custo
da aquisição, havendo a incidência do imposto de renda somente quando essa
diferença for positiva. 19. Certo é que houve uma presunção da Receita
Federal acerca de o apelante ter obtido ganho de capital na venda do imóvel
supramencionado e, em consequência de ter ele praticado redução de espécie
tributária ao não fazer constar essa alienação, com todas as informações
pertinentes, em sua Declaração de Ajuste Anual do IRPF (ano-exercício 2015).
20. Sendo possível não haver ganho de capital na operação de venda do imóvel –
com o valor da alienação sendo igual ou inferior aos custos da aquisição –, a
presunção de aferimento da renda é cabível na seara administrativa, mas nunca
na penal, na qual a dúvida sempre se resolve em favor do réu. 21. Cabia
ao Ministério Público Federal comprovar não somente a alienação do imóvel, como
restou constatado no Processo Administrativo Fiscal, mas também o efetivo ganho
de capital pelo apelante, porque somente esse é passível da incidência do
tributo. 22. Remanesce nos autos dúvida razoável sobre a efetiva
materialidade do crime, isto é, sobre a efetiva omissão de receitas, com a
consequente supressão ou redução de tributos. 23. Apelação da defesa
provida. 24. Absolvido o apelante com fundamento no art. 386, incisos III e
VII, do Código de Processo Penal. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em
que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu DAR
PROVIMENTO ao recurso de apelação da defesa, para, reformando a sentença a quo,
absolver LUIS da imputação da prática do art. 1º, inciso I, da lei nº 8.137/90,
por três vezes, com fundamento no art. 386, incisos III e VII, do Código de
Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado. PAULO FONTES Desembargador Federal. (grifamos)
Fonte:
Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL Nº
0001864-42.2018.4.03.6105 RELATOR: DES. FED. PAULO FONTE
Assim, a
aplicação do dito princípio, nos casos de dúvida, fortalece a afirmação de que todo
acusado é considerado inocente até que se prove o contrário, prevalecendo a
presunção de inocência de todo cidadão.
Logo, o “in
dubio pro reo” aplicado na esfera penal evita condenações injustas
fundamentadas em dúvidas ou provas insuficientes, garantindo que o sistema judiciário
penal seja mais justo, reto e imparcial.
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