Marco Aurélio
Bicalho de Abreu Chagas
No universo jurídico, os princípios
devem nortear as decisões, notadamente o da confiança e o da boa-fé.
Na
relação jurídica, as partes envolvidas devem agir com lealdade honestidade e
respeito mútuo.
A boa-fé objetiva
impõe um padrão de conduta ética e colaborativa, exigindo que as partes
considerem os interesses uma das outras e ajam de forma a não frustrar as
expectativas legítimas geradas na relação estabelecida.
A confiança é um elemento fundamental
para a segurança e estabilidade das relações jurídicas.
A boa-fé
pressupõe agir com lealdade, honestidade, cooperação e transparência.
Esses princípios aqui citados foram evocados em
julgamento do STJ – Superior Tribunal de Justiça ao manter o seguro de vida de
28 anos após a seguradora negar renovação.
“O colegiado
considerou abusiva a rescisão imotivada de apólice renovada automaticamente por
duas décadas, assegurando sua continuidade nas condições originais.”
“Os
ministros seguiram o voto do relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, ao
entender que a não renovação automática, acompanhada da oferta de novo produto
em condições mais onerosas, viola princípios como boa-fé e confiança,
sobretudo diante da idade avançada do segurado.” Processo: REsp 2.015.204
Para
ilustrar, segue a EMENTA do citado julgamento:
RECURSO
ESPECIAL Nº 2015204 – SP
RELATOR:
MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA ROCHA –
DECISÃO
Trata-se de recurso especial fundamentado no art. 105, III, "a" e
"c", da CF, interposto contra acórdão assim ementado (e-STJ
fl. 453): AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER Seguro de vida - Expectativa do
segurado, por contrato firmado há mais de 20 anos, de serem mantidas as
condições do seguro tal qual contratado Razoabilidade - Boa-fé objetiva das
relações contratuais Reconhecida a abusividade na não renovação do contrato
pela seguradora Precedentes Sentença mantida Honorários de sucumbência já
fixados em percentual máximo permitido pela lei adjetiva - Recurso improvido.
Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ fls. 468/474). Em suas razões
(e-STJ fls. 476/491), a parte recorrente aponta dissídio jurisprudencial e
violação dos arts. 757, 760 e 774 do CC, porque (e-STJ fls. 486/487): [...]
inequívoco que o v. acórdão ao manter a r. sentença de primeira instância,
violou referidos artigos, eis que a renovação automática do contrato ocorre uma
única vez, demonstrando que as renovações posteriores devem ser feitas
obrigatoriamente de forma expressa. No caso em tela, não houve por parte da
Recorrente modificação das cláusulas contratuais que estabeleça prestações
desproporcionais; não houve elevação sem justa causa de preço, os Recorridos
foram devidamente cientificados do novo produto, podendo aderir a ele ou não e,
por fim, não houve modificação de conteúdo do contrato após os Recorridos terem
aderido a ele, posto que se trata de nova vigência. [...] Não há qualquer
dúvida de que a contratação do seguro, desde seu início, seu deu pelo ramo 93 –
modalidade de seguro de vida em grupo, conforme documentos juntados aos autos.
O próprio STJ já reconheceu a possibilidade de não renovação do contrato de
seguro de vida, como é o caso em comento, bem como a possibilidade de reajuste
por faixa etária.
Em
seu voto o Relator aponta que o Tribunal de origem considerou que se trata
de um seguro de vida individual, entendendo que a sua não renovação afronta a
boa-fé (e-STJ fls. 454/459): Trata-se de ação visando manutenção do
contrato de seguro de vida individual, diante do cancelamento unilateral do
contrato, após mais de 20 anos de sucessivas e automáticas renovações. O
contrato de “seguro de vida individual” discutido nos autos foi firmado pelo
autor em 28.11.1997, quando ele contava com 28 anos de idade (fls. 21), e foi
renovado automática e sucessivamente, ano após ano, até 2019, quando a
seguradora então resolveu não mais renová-lo. A matéria não é nova. A decisão
da seguradora de não renovar o seguro de vida do segurado, sem nenhuma
justificativa, depois de muitos anos e apesar de o autor estar com mais idade
atualmente, não havendo, por isso, perspectiva de conseguir realizar novo
seguro de vida nas mesmas circunstâncias, contraria os princípios que regem
nosso ordenamento positivo, especialmente as disposições do Código Civil e
dos contratos de consumo (conservação, boa-fé objetiva, equivalência,
igualdade, transparência, confiança),e é, portanto, abusiva, devendo ser
mantido o contrato tal como vinha sendo firmado pelas partes. A
notificação da não renovação dos seguros, acompanhada de proposta de adesão a
novo produto, demonstra, mais uma vez, a quebra da boa-fé objetiva por parte da
seguradora, que não pretende manter o contrato nos moldes anteriores sem
justificativa plausível, mas ao mesmo tempo quer manter o segurado em sua
carteira de clientes, com condições mais vantajosas para si (seguradora) e mais
onerosa ao consumidor. [...] Portanto, entendo que, decorridos mais de 20 anos
de contratação do seguro de vida, tendo o segurado cumprido regularmente suas
obrigações, a decisão de não o renovar ou de reajustá-lo de acordo com o
pretendido pela seguradora, não tendo o segurado perspectiva de realizar novo
seguro de vida nas mesmas condições que o anterior, contraria os princípios
referidos e, por isso, é abusiva.
No
caso dos autos, em que se reconhece a existência de seguro de vida individual
que foi renovado ininterruptamente por longo período, aplica-se o entendimento
firmado no REsp n. 1.073.595/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO,
DJe 29.4.2011 (AgRg nos EREsp n. 1.281.691/SP, Relator Ministro RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/6/2014, DJe 20/6/2014), segundo o
qual, em tal contexto, "a pretensão da seguradora de modificar
abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os
princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que
deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de
consumo".
Ante
o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015,
MAJORO os honorários advocatícios em 20% (vinte por cento) do valor arbitrado,
observando-se os limites dos §§ 2º e 3º do referido dispositivo. Publique-se e
intimem-se. Brasília, 11 de setembro de 2024. Ministro Antonio Carlos Ferreira
Relator.
Ante o exposto, constata-se que a observância
dos princípios que regem o ordenamento jurídico haverá de prevalecer, a fim de
contribuir para o equilíbrio das relações contratuais, evitando abusos.
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