Marco
Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
A
Súmula Vinculante nº 24 do STF reza:
“Não
se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto
no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes
do lançamento definitivo do tributo.”
O
precedente representativo está nos seguintes termos: Embora
não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal
(ADI 1.571
MC),
falta justa causa para a ação penal pela prática do crime
tipificado no art. 1º da Lei
8.137/1990 —
que
é material ou de resultado —, enquanto não haja decisão
definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se
considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de
punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro
lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela
satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia
(Lei
9.249/1995,
art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não
permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se
subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para
questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório,
ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras
de toda sorte do processo criminal. [HC 81.611,
rel. min. Sepúlveda
Pertence,
P, j. 10-12-2003, DJ de
13-5-2005.]
A
Jurisprudência do STF tem se firmado no seguinte
sentido:
Em
princípio, atesto que a
decisão definitiva do processo administrativo consubstancia condição
objetiva de punibilidade. Em outras palavras, não se pode
afirmar a existência, nem tampouco fixar o montante da obrigação
tributária até que haja o efeito preclusivo da decisão final
administrativa.
Vale ressaltar que, a partir do precedente firmado no HC 81.611/DF,
firmou-se nesta Corte jurisprudência no sentido de que o crime
contra a ordem tributária (art. 1º, I a IV, da Lei
8.137/1990)
somente se consuma com o lançamento definitivo. É que,
em razão da pendência de recurso administrativo perante as
autoridades fazendárias, não se pode falar de crime.
Uma vez que essa atividade persecutória funda-se tão somente na
existência de suposto débito tributário, não é legítimo ao
Estado instaurar processo penal cujo objeto coincida com o de
apuração tributária que ainda não foi finalizada na esfera
administrativa. [HC 102.477,
voto do rel. min. Gilmar
Mendes,
2ª T, j. 28-6-2011, DJE 153
de 10-8-2011.]
Recentemente
a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ resolveu, no
exame de um caso concreto, admitir a ação por crime tributário
antes da constituição do crédito.
O
Ministro Relator considerou possível o afastamento da Súmula
Vinculante nº 24 em casos em que há embaraço à fiscalização
tributária e o cometimento de outros crimes.
A
mitigação da Súmula Vinculante 24 do STF ocorre em
casos excepcionais,
quando há indícios da prática de outros
crimes de natureza não tributária conexos
à sonegação, como corrupção, organização criminosa ou lavagem
de dinheiro. Nessas situações, a ação penal pode ser permitida
mesmo antes do lançamento definitivo do tributo, pois os crimes não
tributários não dependem dessa condição de punibilidade. Outra
exceção é quando o embaraço à fiscalização é flagrante ou
quando o lançamento definitivo ocorre durante a tramitação do
processo.
A
mitigação é uma exceção à regra da mencionada súmula,
permitindo que a persecução penal continue antes do lançamento
definitivo em circunstâncias específicas.
A
mitigação é permitida quando o crime tributário é apenas um dos
delitos investigados, e existem indícios de outros crimes, como
corrupção ou organização criminosa. Em tais casos, a investigação
e denúncia dos crimes não tributários podem seguir, mesmo que a
investigação do crime fiscal ainda esteja pendente de lançamento
definitivo.
Também
quando a conduta investigada dificulta ou impede a fiscalização
tributária é uma situação que autoriza a mitigação.
Ante
as peculiaridades do caso concreto mostra-se admissível a mitigação
da Súmula Vinculante mencionada, a exemplo dos seguintes julgados, à
guisa de ilustração:
Sobressai
da narrativa dos agravantes que “são investigados outros crimes
além dos tipificados no 'art. 1º, incisos I a IV, da Lei
8.137/1990',
dentre eles, crimes contra a administração em geral e de "lavagem"
ou ocultação de bens, direitos e valores”, sendo certo o
entendimento sufragado por esta Corte no sentido da prescindibilidade
do esgotamento das vias administrativas para a investigação do
crime de lavagem de dinheiro, conquanto
o crime antecedente possa se consubstanciar em crime material contra
a ordem tributária, mostrando-se possível a mitigação do
enunciado 24
da Súmula Vinculante do
Supremo Tribunal Federal na hipótese da investigação de crimes
cuja natureza é distinta da fiscal. Precedentes: HC
118.985 AgR,
Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 21/06/2016; e ARE
936.653 AgR,
Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 14/06/2016.[Rcl
28.147 AgR,
rel. min. Luiz
Fux,
1ª T, j. 28-11-2017, DJE 80
de 25-4-2018.]
Os
crimes contra a ordem tributária pressupõem a prévia constituição
definitiva do crédito na via administrativa para fins de tipificação
da conduta. A jurisprudência desta Corte deu origem à Súmula
Vinculante 24 (...).
2. Não obstante a jurisprudência pacífica quanto ao termo
inicial dos crimes contra a ordem tributária, o
Supremo Tribunal Federal tem decidido que a regra contida na Súmula
Vinculante 24 pode
ser mitigada de acordo com as peculiaridades do caso concreto, sendo
possível dar início à persecução penal antes de encerrado o
procedimento administrativo, nos casos de embaraço à fiscalização
tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos, de
natureza não fiscal.[ARE 936.653
AgR,
rel. min. Roberto
Barroso,
1ª T, j. 24-5-2016, DJE 122
de 14-6-2016.]
A
questão posta no presente writ diz
respeito à possibilidade de instauração de inquérito policial
para apuração de crime contra a ordem tributária, antes do
encerramento do procedimento administrativo-fiscal.
2. O tema relacionado à necessidade do prévio encerramento do
procedimento administrativo-fiscal para configuração dos crimes
contra a ordem tributária, previstos no art. 1º da Lei
8.137/1990,
já foi objeto de aceso debate perante esta Corte (...). 3. A
orientação que prevaleceu foi exatamente a de considerar a
necessidade do exaurimento do processo administrativo-fiscal para a
caracterização do crime contra a ordem tributária (Lei
8.137/1990,
art. 1º) (...).
4. Entretanto,
o caso concreto apresenta uma particularidade que afasta a aplicação
dos precedentes mencionados.
5. Diante da recusa da empresa em fornecer documentos
indispensáveis à fiscalização da Fazenda estadual, tornou-se
necessária a instauração de inquérito policial para formalizar e
instrumentalizar o pedido de quebra do sigilo bancário, diligência
imprescindível para a conclusão da fiscalização e,
consequentemente, para a apuração de eventual débito tributário.
6. Desse
modo, entendo possível a instauração de inquérito policial para
apuração de crime contra a ordem tributária, antes do encerramento
do processo administrativo-fiscal, quando for imprescindível para
viabilizar a fiscalização.
[HC 95.443,
rel. min. Ellen
Gracie,
2ª T, j. 2-2-2010, DJE 30
de 19-2-2010.]
Eis
a EMENTA da
Decisão aqui trazida à baila, da 6ª
Turma
do Superior Tribunal de Justiça - STJ
EMENTA
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. CRIMES CONTRA A
ORDEM TRIBUTÁRIA. MITIGAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE N. 24.
POSSIBILIDADE. EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E EXISTÊNCIA
DE OUTROS DELITOS CONEXOS. AGRAVOS REGIMENTAIS PROVIDOS. ORDEM
CONCESSIVA REVOGADA. I. Caso em exame 1. Agravos regimentais
interpostos pelo Ministério Público do Estado da Paraíba e pelo
Ministério Público Federal contra decisão que concedeu a ordem de
habeas corpus para trancar a Ação Penal n.
0803112-60.2020.8.15.2002 em razão de suposta violação da Súmula
Vinculante n. 24 do STF. 2. Os pacientes foram denunciados por crimes
de organização criminosa, lavagem de dinheiro e contra a ordem
tributária por apurada fraude fiscal envolvendo empresas de fachada
e movimentação ilícita de valores. 3. A decisão recorrida
considerou que a denúncia foi oferecida antes da constituição
definitiva do crédito tributário, em violação da Súmula
Vinculante n. 24 do STF, e concluiu pela ausência de justa causa
para a persecução penal. II. Questão em discussão 4. A
questão em discussão consiste em saber se é possível mitigar a
aplicação da Súmula Vinculante n. 24 do STF em casos de embaraço
à fiscalização tributária e prática de outros delitos conexos,
permitindo-se a persecução penal antes do encerramento do processo
administrativo de constituição do crédito tributário quando
presentes determinadas circunstâncias.
III. Razões de decidir 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça admite a mitigação da
Súmula Vinculante n. 24 em casos de embaraço à fiscalização
tributária ou diante de indícios da prática de outros delitos de
natureza não fiscal. 6. No caso, as investigações revelaram a
existência de uma organização criminosa estruturada para criar
empresas de fachada, dificultando a atuação do fisco e
impossibilitando a identificação dos reais devedores dos tributos.
7. A denúncia descreve que houve o lançamento do crédito
tributário contra as empresas fraudulentas, com inscrição em
dívida ativa, atendendo aos requisitos de liquidez e certeza
previstos na Súmula Vinculante n. 24. 8.
A complexidade do esquema criminoso e os indícios de outros delitos
conexos justificam a persecução penal, mesmo antes do encerramento
do processo administrativo tributário.
IV. Dispositivo e tese 9. Resultado do Julgamento: Agravo provido
para revogar a decisão anterior e permitir o prosseguimento da Ação
Penal n. 0803112-60.2020.8.15.2002. Tese de julgamento: 1.
É possível mitigar a aplicação da Súmula Vinculante n. 24 do STF
em casos de embaraço à fiscalização tributária ou diante de
indícios da prática de outros delitos conexos. 2. A constituição
definitiva do crédito tributário não é requisito absoluto para a
persecução penal quando constatada fraude fiscal envolvendo
organização criminosa que dificulta a atuação do fisco e
impossibilita a identificação dos reais devedores do tributo.
Dispositivos relevantes citados: Lei n. 8.137/1990, art. 1º; Lei n.
12.850/2013, art. 2º; Lei n. 9.613/1998, art. 1º; CPP, art. 41.
Jurisprudência relevante citada: STF, ARE n. 936.653 AgR, relator
Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 24/5/2016; STF,
HC n. 96.324, relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma,
julgado em 14/6/2011; STJ, AgRg no HC n. 551.422/PI, relator Ministro
Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/6/2020. (grifamos).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça,
prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro
Sebastião Reis Júnior dando provimento ao agravo regimental, sendo
acompanhado pelo Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, por maioria, dar
provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro
Og Fernandes, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Og
Fernandes os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior e Rogerio
Schietti Cruz. Vencidos os Srs. Ministros Otávio de Almeida Toledo
(Desembargador convocado do TJSP) e Antonio Saldanha Palheiro.
Brasília, 02 de setembro de 2025. MINISTRO OG FERNANDES.Relator –
02/09/2025.
Do
aqui trazido, podemos inferir que a aludida Súmula Vinculante nº 24
ao estabelecer que
crime material contra a ordem tributária (art. 1º, I a IV, da Lei
8.137/90) só se configura após o lançamento definitivo do tributo
pode
ser mitigada ao permitir que a persecução penal continue antes do
lançamento definitivo em circunstâncias específicas, visto que a
constituição definitiva do crédito tributário não é requisito
absoluto para persecução penal quando constatada, exemplificando,
fraude fiscal envolvendo organização criminosa que dificulta a
atuação do fisco e impossibilita a identificação dos reais
devedores do tributo.
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