ALÔ
VOVÓ…
Marco
Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
Em
tempos de quarentena, por força da pandemia do Coronavírus, o
ônibus estava bem vazio, não passavam de sete passageiros, cada um
sentado confortavelmente nas poltronas do coletivo, muito diferente
do que acontece em dias normais.
A
moça ao celular falava com toda a naturalidade, sentada numa
poltrona dentro do ônibus, à noitinha, alheia totalmente aos poucos
passageiros que atentamente ouviam a conversa.
-
Vó, sabe a calcinha, aquela que você me deu... estou usando... você
não tem noção de como é confortável! Fabiana disse que é coisa
de vó.
-
estou, Vó, indo para casa, cansadíssima. Pela manhã dei aula
particular para um aluno com dificuldades em matemática e à tarde
tive que resolver um assunto no banco. Esse paradeiro está um sufoco.
E
assim, seguiam todos ouvindo aquela moça conversando com sua vovó,
durante um bom tempo, no trajeto daquela condução, se dirigindo do
centro para o bairro.
Uma
senhora idosa, ouvindo aquela conversa tão espontânea fazia cada
expressão facial, ora de riso, ora de assombro entremeada com uma
fisionomia de susto.
Alguns
sorriam. Outros fingiam que não estavam ouvindo, mas era quase
impossível, porque a menina se expressava num tom bem alto, talvez
porque imaginava que a vovó, no outro lado da linha, não a
estivesse ouvindo muito bem. E, por outro lado, o ônibus estava bem
vazio.
Despediu-se
da vó e fez, em seguida, outra ligação, agora, para a amiga
íntima. Aquela que é companheira das confidências.
-
querida, não acredito! Como ele pôde? É um mentiroso. Não te
respeita. Você acreditou no que ele disse?
-
amiga todos são assim. Não se preocupe, o tempo dirá o que você
tem que fazer.
Alguns
passageiros não se continham e até se inclinavam para a frente, a
fim de ouvir melhor. Outros, pelas expressões do rosto, demonstravam
que não estavam entendendo bem o que acontecia.
Finalmente,
a garota deu o sinal e desceu com o celular ao ouvido e o que se
passava do outro lado da linha ficou na imaginação dos ouvintes
curiosos.
Como
as pessoas se interessam por saber da intimidade de outras, como
também há aquelas que facilmente expõem gratuitamente a sua
intimidade, sem medir as consequências dessa atitude, muitas vezes
por distração e, sem se dar conta, de que estão em um ambiente
público!
A
discrição é, em verdade, uma virtude que protege o ser de
exposições desnecessárias e que garante a vida íntima da maldade
alheia.
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