Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
Tiradentes transmitiu através dos tempos a imagem de paladino da liberdade. Mártir da Inconfidência Mineira encarnou a idéia de uma revolução libertadora, a exemplo da que havia sido feita na América do Norte, amadurecendo esse pensamento, à medida que tomava consciência da riqueza de sua terra e da exploração de que era vítima o seu povo por parte da metrópole.
O homem sempre lutou e lutará por sua liberdade e a dos seus, pois ela é um bem supremo, um valor que dá conteúdo à vida, e o desfrutar desse bem traz paz e alegria a todos os corações. Cabe aqui, nesses momentos em que vem à tona a palavra liberdade, formular a seguinte reflexão: quanto luta o homem por sua liberdade e pensar que por dentro é tão escravo! Escravo de idéias, crenças, tradições, da vaidade, do orgulho e de outras não menos perniciosas debilidades.
A luta do homem de hoje não é mais ao nível daquele então histórico movimento da agora comemorada Inconfidência Mineira, mas voltada para a conquista da liberdade interior, posto que a ignorância, a incapacidade e a impotência representam elos de uma corrente que mantém o homem preso em si mesmo. Haverá de romper esses elos com sua inteligência, pensando como tirá-los para poder ganhar a verdadeira liberdade. Ela é como o espaço, de cada um depende que seja amplo ou limitado. Reduzem a liberdade os atos equivocados, os erros e faltas, o mau comportamento e a ignorância.
Para o humanista GONZÁLEZ PECOTCHE, a liberdade, que é fundamento essencial da vida, forma o vértice do triângulo cuja base descansa no dever e no direito. Frente a esse ternário que plasma a síntese da responsabilidade humana haverá que alçar a consciência dos homens e fazer que ela se manifeste em todo seu esplendor e máxima potência. O futuro da humanidade depende dessa realização. Neles encontrará a chave que assegurará a paz sobre a terra.
Essa imagem do triângulo é eloqüente e ela está estampada, bem a propósito, na bandeira da Inconfidência. A liberdade é um bem que dá conteúdo à vida. Ela é o fruto de uma conquista que o homem fez ao cultivar sua inteligência, elevar sua moral e estender a cultura por todos os pontos da terra.
É certo que o que põe em perigo de perder essa liberdade, temporária ou definitivamente é o abuso ou mal uso que dela se faz.
Para o referido humanista deste século aqui citado, os homens e os povos nasceram para ser livres e quando forças estranhas ou alheias a suas vontades ameaçam com extinguir essa liberdade, a alma humana se sobrepõe a todas as contingências e a todos os sacrifícios para que ela seja como deve ser; como é: um bem supremo do qual ninguém poderia renegar sem prejudicar seriamente sua natureza humana e seu destino.
"A liberdade individual, inspirada nas profundidades da consciência, permite ao homem ser útil a seus semelhantes, à sociedade e a todo o mundo, desde que buscando a superação pelo esforço, e a capacitação mental pelo exercício da inteligência, encontra dentro de si, na intimidade de seu coração e na potência de seu pensamento, inestimáveis recursos que lhe permitem por de manifesto, em proveito dos demais, o fruto de seus estudos, de suas meditações que sempre, em todas as épocas, serviu como ponto de referência, muitas vezes de incalculável utilidade, tanto aos homens de Estado para a direção dos negócios de seu país, como aos que têm a seu cargo o estudo e sanção das leis que fazem possível o mantimento da estrutura política em suas formas respectivas de governo, e da social, em seus múltiplos aspectos".
"A livre exposição das idéias é sinal inconfundível de progresso e civilização, quando elas tendem para o bem e constituem uma contribuição para a solução dos problemas ou para o aperfeiçoamento das leis e das normas vigentes na sociedade e também quando contribuem ao melhoramento da inteligência, da moral e de tudo quanto concerne ao ser no sentido de aumentar suas possibilidades e estender sua vista para outros e mais altos destinos. Porém se a liberdade individual é afetada em seus mais legítimos e naturais direitos de expressão, o espírito se coíbe, a razão sofre o agravo inferido à dignidade, e o povo todo, ferido em seus mais fundos sentimentos e rebaixado em sua condição moral, chega a se perverter, seja pela indiferença, ou pelo servilismo ou pela irresponsabilidade".
Não resta dúvidas que a licenciosidade e desbaratamento e desperdício das prerrogativas que a liberdade confere foram os fatores que comprometeram o conceito de liberdade e é isso que deve ser evitado, para que de uma vez por todas voltemos pelos caminhos da ordem e da limpeza moral, mas sem prejudicar os nobres fins da liberdade em sua mais pura e diáfana expressão de plenitude.
Lutar pela liberdade é lutar, enfim, em defesa da própria vida, porque uma não existe sem a outra. A vida sem a liberdade perde todo seu conteúdo moral e espiritual.
Nesses duzentos anos da Inconfidência Mineira (21 de abril de 1792), em que o Libertas quae sera tamen se tornou a bandeira do ideal de liberdade - com um sugestivo triângulo ao centro, imagem da real liberdade - somos levados a refletir que somente o conhecimento, esse grande agente equilibrador dos domínios da consciência, pode tornar o ser mais livre, ou seja, aumentar o direito de uma maior liberdade, ainda quando condicionando esse direito às altas diretivas de seu pensamento.
E assim, enquanto o conhecimento confere uma maior liberdade a quem sabe usá-la com prudência e inteligência, a ignorância a reduz como também a reduzem, já o dissemos, os erros e as faltas que se cometem.
Texto publicado no Usina de Letras.
Reproduzido no Jus Navigandi
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