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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

ADJUDICAÇÃO DE BENS – OBRIGATORIEDADE DE PENHORA PRÉVIA

 


                                        Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

 

                                       Caso o pagamento voluntário da dívida não for feito no prazo de 15 (quinze) dias, será imediatamente expedido mandado de penhora e avaliação. (Art. 523, § 3º do Código de Processo Civil-CPC, Lei 13.105, 16 de março de 2015)

Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm

                                       Esse dispositivo faz parte do Capítulo III que trata do cumprimento definitivo da sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa.

 

CAPÍTULO III

DO CUMPRIMENTO DEFINITIVO DA SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA

 Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

§ 3º Não efetuado tempestivamente o pagamento voluntário, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação.

 

                                       A adjudicação de bens se constitui numa opção do exequente por ficar com os bens penhorados, oferecendo um valor igual ou superior ao da avaliação (Art. 825, I do CPC).

                                       Citado artigo está inserido no Capítulo IV que trata da execução por quantia certa,, em que a expropriação consiste em adjudicação.

 

 

CAPÍTULO IV

DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA

Seção I
Disposições Gerais

 Art. 824. A execução por quantia certa realiza-se pela expropriação de bens do executado, ressalvadas as execuções especiais.

 Art. 825. A expropriação consiste em:

I – adjudicação.

 

                                       O exequente que está a requerer o bem que foi penhorado, pode solicitar a sua adjudicação, desde que o preço que ofereça não seja inferior ao da avaliação do bem (Art. 876 do CPC).

                                       Tal artigo consta da Seção IV que se refere à expropriação de bens e na Subseção I está a adjudicação.

 

Seção IV

Da Expropriação de Bens

Subseção I

Da Adjudicação

 Art. 876. É lícito ao exequente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer que lhe sejam adjudicados os bens penhorados.

                                          Esses dispositivos do Código de Processo Civil – CPC aqui elencados foram relevantes para o julgamento do Superior Tribunal de Justiça – STJ que reconheceu a nulidade da adjudicação realizada não antecedida de penhora.

                                        A penhora prévia é necessária como pressuposto processual para a adjudicação de bens no procedimento executivo.

                                       Firmou-se assim a seguinte tese de julgamento:

                                           "A penhora é ato processual prévio e necessário à adjudicação de bens."

                                      

 

 Ilustrando, eis a EMENTA:

RECURSO ESPECIAL Nº 2200180 - SP (2022/0231505-2) RELATOR: MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

EMENTA DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ADJUDICAÇÃO. PENHORA PRÉVIA. AUSÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE ABSOLUTA. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que manteve decisão de primeira instância, a qual deferiu a adjudicação de imóvel em copropriedade entre exequente e executado, sem a prévia penhora do bem. II. Questão em discussão 2. Verificar a necessidade de penhora prévia como pressuposto processual para a adjudicação de bens no procedimento executivo. III. Razões de decidir 3. A penhora constitui ato processual prévio e indispensável à adjudicação de bens no processo de execução, conforme expressamente previsto nos arts. 523, § 3º, 825 e 876 do CPC, que estabelecem uma sequência procedimental inafastável: penhora-avaliação-expropriação. 4. A exigência de penhora prévia como pressuposto para a adjudicação não representa mera formalidade processual, mas concretiza a garantia fundamental do devido processo legal prevista no art. 5º, LIV, da Constituição Federal. 4.1. A ausência de penhora configura nulidade absoluta, que prescinde da demonstração de prejuízo, por afetar a própria estrutura do procedimento executivo. 4.2. Os princípios da celeridade e da economia processual não podem ser utilizados para afastar regra processual cogente, expressamente prevista na legislação. A efetividade da prestação jurisdicional não pode ser alcançada à custa da segurança jurídica e do devido processo legal. IV. Dispositivo e tese 5. Recurso especial provido para  determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para que seja observado o procedimento legalmente estabelecido. Tese de julgamento: "1. A penhora é ato processual prévio e necessário à adjudicação de bens." Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, arts. 523, § 3º; 825, I; 876; CF, art. 5º, LIV. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 2.041.861/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 13.06.2023.

ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Raul Araújo e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. Brasília, 11 de agosto de 2025. Ministro Antonio Carlos Ferreira Relator (grifamos).

                                          O STJ nesse julgamento declarou a nulidade de uma adjudicação de imóvel efetuada de forma direta, deixando de observar a fase prévia da penhora.

                                       O Relator, em seu voto, ressalta:

                                       “Desse modo, a penhora transcende a mera formalidade, constituindo requisito legal essencial à adjudicação do bem. A inobservância deste pressuposto processual caracteriza nulidade absoluta, dispensando a comprovação de dano efetivo. Tal irregularidade compromete a base do procedimento executivo, afetando sua validade formal e substancial. Nesse contexto, o prejuízo é presumido ex lege, uma vez que vulnera princípios fundamentais como a segurança jurídica e o devido processo legal.”

                                           “A ausência do ato formal de penhora tolhe o regular desenvolvimento da fase expropriatória em múltiplos aspectos: obsta a realização da avaliação oficial do bem (art. 870 do CPC); obstrui a necessária publicidade da constrição judicial (art. 844); e cerceia a prerrogativa do executado de postular a substituição do bem constrito (art. 847), comprometendo assim garantias processuais.”

                                       A penhora é, portanto, uma garantia fundamental para todos os envolvidos na relação processual, não se constituindo em uma mera formalidade como pode parecer, pois, pelo visto, é um requisito legal imprescindível à adjudicação do bem.

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quinta-feira, 28 de agosto de 2025

EMPRESA UNIPESSOAL – ANULAÇÃO DE PENHORA DE COTAS

 

           


                                       Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

 

                                       A Lei nº 13.874 de 20 de setembro de 2019 que instituiu a Declaração de Liberdade Econômica introduziu a Sociedade Limitada Unipessoal – SLU

                                       Essa sociedade substituiu a EIRELI – Empresa Individual de Responsabilidade Limitada que antes era a única forma de empreender sozinho com responsabilidade limitada, porém exigia um capital social mínimo elevado.

                                       A SLU é um tipo de empresa que permite a um único empreendedor abrir um negócio com responsabilidade limitada, significando que o patrimônio pessoal do empresário fica protegido e separado das dívidas da empresa. Tal empresa não exige sócios nem um capital social mínimo para a sua criação, sendo, portanto, uma alternativa mais acessível para quem deseja empreender sozinho.

                                       São principais características desse tipo de sociedade:

1-    a presença de uma única pessoa;

2-    a responsabilidade é limitada, ou seja, as dívidas e obrigações da empresa são de responsabilidade exclusiva da pessoa jurídica, ficando protegidos, desse modo, os bens pessoas do empreendedor;

3-    não se exige um valor mínimo para abrir a sociedade;

4-    não há necessidade de outro sócio; o patrimônio pessoal do empresário não pode ser usado para cobrir dívidas da sociedade;

5-    trata-se de um modelo flexível que permite um empreendimento individual;

6-    sem a exigência de um capital mínimo o negócio fica menos dispendioso.

                                           O Tribunal de Justiça de São Paulo por sua 37ª Câmara de Direito Privado manteve a anulação da penhora de cotas sociais pertencentes a sócio de uma sociedade limitada unipessoal, numa ação de título extrajudicial, reconhecendo que nesse tipo de sociedade há uma autonomia patrimonial entre a pessoa jurídica e o sócio e para  que se desconsidere a personalidade jurídica exige-se a respectiva instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ficando garantido o contraditório e a ampla defesa.

                                       O relator cita precedentes do próprio Tribunal que reconhece a citada autonomia patrimonial desse tipo de sociedade.

                                       Aqui a EMENTA do mencionado julgamento:

Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Cédula de crédito bancário. Penhora de cotas de empresa unipessoal. Não acolhimento. Necessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, por se tratar de sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, nos termos do art. 1.052 do Código Civil. Decisão mantida. Recurso não provido.

Registro: 2025.0000845342 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2160777-51.2025.8.26.0000, da Comarca de São Bernardo do Campo. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 37ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores AFONSO CELSO DA SILVA (Presidente) E JOSÉ WAGNER DE OLIVEIRA MELATTO PEIXOTO. São Paulo, 15 de agosto de 2025. PEDRO KODAMA Relator. (grifamos)

                                          Diante do aqui tratado, é indevida a penhora de cotas desse modelo de sociedade unipessoal, havendo a necessidade de se instaurar primeiro o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, visto que o patrimônio do sócio, nesse particular de empresa unipessoal, não se confunde com o da pessoa jurídica.

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quarta-feira, 27 de agosto de 2025

DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS A DIRETORES SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO SUJEITA À CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

 



 

                                       Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

                                       A Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dispõe sobre as Sociedades por Ações estabelece em seu artigo 158 a responsabilidade civil dos administradores de uma sociedade anônima (S.A) por prejuízos causados à companhia, dependendo da comprovação de culpa ou dolo, ou por violação da lei ou do estatuto. Os administradores são responsáveis, inclusive, por atos ilícitos de outros administradores, se forem coniventes, negligentes em descobri-los ou deixarem de agir para impedir sua prática.

 

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

        I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

        II - com violação da lei ou do estatuto.

        § 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral.

        § 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.

        § 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.

        § 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembleia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.

        § 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto.

                                          O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) decidiu, por maioria, manter a exigência de contribuições previdenciárias sobre valores pagos a diretores não empregados a título de participação nos lucros, rejeitando recurso apresentado por contribuinte.

                                       O caso originou-se com a lavratura de auto de infração contra a empresa por não informar, na Guia de Recolhimento do FGTS e informações à Previdência Social (GFIP), fatos geradores das contribuições previdenciárias. Entre os pagamentos omitidos, estava a distribuição de lucros a diretores sem vínculo empregatício, efetuada com base no art. 158 da referida Lei. 6.404/1976.

                                          O conselheiro relator, voto vencido, votou pelo provimento do recurso, defendendo que a Lei 10.101/2000 regula a participação nos lucros apenas para empregados e que, no caso de diretores, aplica-se a Lei das Sociedades por Ações. Para ele, não haveria incidência de contribuição previdenciária sobre esses pagamentos.

                                       A mencionada Lei 10.101 de 19 de dezembro de 2000 dispõe sobre a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa.

                                       O colegiado, por maioria, entendeu não haver previsão legal de isenção para diretores não empregados. Desse modo, os valores pagos a esse título devem compor, portanto, a base de cálculo das contribuições previdenciárias e de terceiros, configurando, a falta de informação em GFIP, infração punível.

                                       A seguir, a EMENTA desse julgado:

MINISTÉRIO DA FAZENDA Conselho Administrativo de Recursos Fiscais Número do processo: 18050.001109/2008-08 Turma: Primeira Turma Ordinária da Terceira Câmara da Segunda Seção de Julgamento Data da sessão: 08 de março de 2024 Data da publicação: 11 de agosto de 2025

Ementa: Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias Período de apuração: 01/08/2000 a 28/02/2005 DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS A DIRETORES NÃO EMPREGADOS. EXCLUSÃO DA BASE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. Os valores pagos a diretores não empregados, na forma do art. 158 da Lei 6.404/1976, estão sujeitos às contribuições previdenciárias e de terceiros, posto que inexiste norma que lhes conceda isenção.

Número da decisão: 2301-011.132

Decisão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos. Acordam os membros do colegiado, por maioria de votos, em negar provimento ao recurso. Vencido o Relator, que dava provimento. Designada para redigir o voto vencedor a Conselheira Flavia Lilian Selmer Dias. Sala de Sessões, em 8 de março de 2024. Assinado Digitalmente WESLEY ROCHA – Relator Assinado Digitalmente FLAVIA LILIAN SELMER DIAS – Redatora Designada Assinado Digitalmente DIOGO CRISTIAN DENNY – Presidente Participaram da sessão de julgamento os julgadores Flavia Lilian Selmer Dias, Vanessa Kaeda Bulara, Wesley Rocha, Diogo Cristian Denny (Presidente). Ausente(s) o conselheiro(a) Angélica Carolina Oliveira Duarte Toledo, o conselheiro(a) Mônica Renata Mello Ferreira Stoll. Nome da relatora: FLAVIA LILIAN SELMER DIAS

Fonte: https://acordaos.economia.gov.br/solr/acordaos2_shard11_replica_n111/browse?q=Ac%C3%B3rd%C3%A3o+CARF+n%C2%BA+2301-011.132+2%C2%AA+SE%C3%87%C3%83O%2F3%C2%AA+C%C3%82MARA%2F1%C2%AA+TURMA+ORDIN%C3%81RI

                                       Assim, a exigência tributária perdura, ou seja, os valores pagos a diretores não empregados se sujeitam às contribuições previdenciárias, posto que a isenção prevista na mencionada Lei 10.101/2000 não se estende a diretores sem vínculo empregatício, ficando consolidada a interpretação do CARF.                                 

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terça-feira, 26 de agosto de 2025

EXIGÊNCIA DE PROVA CONCRETA PARA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 



 

                                       Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

 

                                       A desconsideração da personalidade jurídica é tratada pelo artigo 50 do Código Civil Brasileiro, lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, in verbis:

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso(Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019). (grifos da transcrição).

 

                                       Trata-se da chamada Teoria Maior acolhida pela legislação brasileira que exige para sua incidência a demonstração objetiva de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

                                       No nosso ordenamento jurídico encontramos a previsão desse incidente para sua aplicação nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil (CPC), dispondo que para haver a desconsideração é preciso instaurar um incidente processual, e não uma ação autônoma. Posto que tal incidente exige que a parte interessada demonstre a existência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial para atingir o patrimônio dos sócios.

                                       Tal disciplinamento, portanto, permite a responsabilização direta dos sócios ou administradores de uma empresa, ignorando a separação jurídica que normalmente existe entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a compõem.

                                       A corrente jurisprudencial e também a doutrina apontam a necessidade de prova concreta e específica de desvio de finalidade ou confusão patrimonial para justificar, portanto, a desconsideração da personalidade jurídica, procurando evitar, assim eventuais abusos.

                                       Em recente decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento entendeu que “a irregularidade no encerramento das atividades ou dissolução da sociedade não é causa suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica, devendo ser demonstrada a ocorrência de caso extremo, como a utilização da pessoa jurídica para fins fraudulentos (desvio de finalidade institucional ou confusão patrimonial)”.(AgInt no AREsp 2.139.331/SP).

                                       Com essa decisão fica pacificada a segurança jurídica do empresário ao se entender que a responsabilidade patrimonial dos sócios só pode ser estendida quando efetivamente demonstrada a utilização inadequada da pessoa jurídica.

                                       Logo, para a desconsideração da pessoa jurídica é imprescindível a existência de prova robusta do abuso verificado na personalidade jurídica. Caso contrário não será possível a pretendida autorização.

                                       Assim essa medida excepcional não pode ser utilizada em virtude de meras presunções ou conveniências processuais. Não basta a empresa estar eventualmente sem bens ou ser encerrada irregularmente para responsabilizar os sócios, pois será essencial, como visto, demonstrar cabalmente o uso indevido da Pessoa Jurídica.

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segunda-feira, 25 de agosto de 2025

MILHAS E PONTOS PODEM SER OBJETO DE PENHORA

 



 

                                       Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

 

                                       O Capítulo V do Código de Processo Civil (CPC), Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que trata da Responsabilidade Patrimonial, estabelece em seu artigo 789 que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

                                       Trata-se do princípio da responsabilidade patrimonial, em que o devedor deve responder por suas obrigações com todos os seus bens, presentes e futuros, contempladas as ressalvas previstas em lei.

                                       O patrimônio, então, do devedor, se constitui numa garantia para o cumprimento de suas dívidas, permitindo ao credor buscar a satisfação da dívida recorrendo à penhora desses bens.

                                       Há bens que a lei declara impenhoráveis e que, portanto, estão fora do rol de bens objeto de penhora

                                       A Seção III, do citado CPC, discorre sobre a penhora, o depósito e a avaliação e em sua Subseção I, do objeto da penhora, enumera a ordem preferencial em que a penhora deve observar.

 

Seção III

Da Penhora, do Depósito e da Avaliação

 

Subseção I

Do Objeto da Penhora

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:

I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;

II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado;

III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;

IV - veículos de via terrestre;

V - bens imóveis;

VI - bens móveis em geral;

VII - semoventes;

VIII - navios e aeronaves;

IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias;

X - percentual do faturamento de empresa devedora;

XI - pedras e metais preciosos;

XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia;

XIII - outros direitos.

§ 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

                                       Foi objeto de discussão em juízo, se é ou não possível a penhora de pontos e milhas de programas de fidelidade.

                                       “As milhas são uma forma de recompensa, geralmente de companhias aéreas e parceiros, que podem ser trocadas por benefícios com passagens aéreas, upgrades e hotéis. Podem ser acumuladas ao voar, usar cartões de crédito ou fazer compras em lojas parceiras de programas de fidelidade, tanto de bancos (pontos) quanto de companhias aéreas (milhas). Entende-se que a principal diferença é que “pontos” são mais universais e estão em programas de bancos como Livelo e Esfera, enquanto “milhas” são específicas de programas de companhias aéreas, como Smiles e Latam Pass.”

                                       Em decisão recente a 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo-TJSP, no Agravo de Instrumento nº 2167605-63.2025.8.26.0000, reconheceu natureza patrimonial desses benefícios e viabilizou conversão em dinheiro.

                                       Em seu voto, o Relator, asseverou:

“...é mais do que notório o caráter patrimonial das milhas e pontos decorrentes de programas de fidelidade sendo, inclusive, objeto de discussão em inúmeras ações judiciais propostas pelos consumidores. Disso não há dúvidas. E diante desse quadro, há de se reconhecer que os pontos e milhas dos programas de fidelidade obviamente possuem valor econômico e não há impedimento à conversão em moeda corrente. Para efeitos práticos, essas pontuações de natureza patrimonial e creditícia são facilmente comercializadas por meio de empresas especializadas e interessadas que atuam no ramo. Nesse viés, o art. 835, XIII do CPC bem enfatiza a possibilidade de penhora sobre outros direitos de titularidade do executado em atenção ao art. 789 do CPC ao determinar que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações. Óbice algum existe para que as companhias aéreas impeçam a fruição destas pontuações até porque são de titularidade do consumidor. Apenas sobreleva pontuar que nem sempre as milhas e os pontos têm a exata correspondência com a moeda corrente a ponto de ensejar integral adimplemento do quantum debeatur. Por isso, plenamente possível a penhora de milhas e pontos de programas de fidelidade na forma pretendida pela agravante.” (grifamos)

                                       Ilustrativamente, a seguir, a EMENTA respectiva desse julgado:

 

EMENTA: Direito Processual Civil. Agravo de instrumento. Execução de título extrajudicial. Pesquisa pontos e milhas Programas de fidelidade. Possiblidade. Recurso provido.

I. Caso em Exame A exequente busca a execução de título extrajudicial devido ao inadimplemento de dívida de R$ 1.467.707,63, representada por contrato de câmbio. Diversas tentativas de bloqueio de valores foram insuficientes. A exequente requereu a pesquisa e futura penhora de pontos e milhas de programas de fidelidade dos executados, o que foi indeferido em primeira instância. II. Questão em Discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar se é possível a pesquisa e posterior penhora de pontos e milhas de programas de fidelidade como forma de satisfazer a execução.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 2167605-63.2025.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante ---------- (BRASIL) ------S/A, são agravados ------, ------ e ------. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 15ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores ACHILE ALESINA (Presidente), MENDES PEREIRA E ELÓI ESTEVÃO TROLY. São Paulo, 19 de agosto de 2025. (grifos da transcrição).

                                          Do exposto, o judiciário reconhece a possibilidade de se penhorar milhas e pontos para a satisfação de dívidas, em processo de execução.

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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

NULIDADE DE DÍVIDAS COM A UNIÃO GERADA POR ERRO DE CÁLCULO DE JUROS

 



 

                                               Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

 

                                       O artigo 2º da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública estabelece que constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária que estatui normas gerais de direito financeiros para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

                                       O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter, dentre outras coisas, a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida.

 

Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.

§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.

§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.

§ 4º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional.

§ 5º - O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:

I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros;

II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;

III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;

IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;

V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e

VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.

§ 6º - A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.

§ 7º - O Termo de Inscrição e a Certidão de Dívida Ativa poderão ser preparados e numerados por processo manual, mecânico ou eletrônico.

§ 8º - Até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos.

§ 9º - O prazo para a cobrança das contribuições previdenciárias continua a ser o estabelecido no artigo 144 da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960. (grifamos)

 

                                          Por seu turno, o artigo 202 do Código Tributário Nacional aponta os mesmos requisitos para o termo de inscrição da dívida ativa contidos na citada Lei de Execuções Fiscais.

                                         Em sentença proferida em Execução Fiscal a juíza da 10º Vara de Execuções Fiscais Federal de São Paulo entendeu que quando é impossível identificar os critérios para o cálculo dos juros de dívidas com a União, elas devem ser anuladas.

                                         Pela leitura das CDA's, de fato, segundo a referida julgadora, não é possível determinar o termo inicial de fluência dos juros de mora e da correção monetária incidente, assistindo razão à excipiente no tocante à nulidade das CDA's, que não observaram o requisito formal previsto no artigo 2º, da Lei nº 6.830/1980, eivando a certidão de iliquidez, reconhecendo a nulidade das CDA's e extinguiu a execução nos termos do artigo 924, inciso III do CPC.

Fonte: Processo Número: 5011302-91.2023.4.03.6182 Classe: EXECUÇÃO FISCAL. Órgão julgador: 10ª Vara de Execuções Fiscais Federal de São Paulo, Sentença proferida em 06/08/2025.

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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

FRAUDE EM PLANEMENTO TRIBUTÁRIO – SIMULAÇÃO DE VENDA

 

         


 

                                         Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

                                      

                                       A existência de simulação fraudulenta em operação envolvendo a transferência de imóvel entre empresas do mesmo grupo econômico com regimes tributários distintos foi detectada e confirmada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF que, em decisão reconheceu a prática de planejamento tributário abusivo.

                                       Para o Fisco, o conjunto probatório evidenciava a existência de conluio e simulação, caracterizando fraude.

                                           O conselheiro Roney Sandro Freire Correa, relator do voto vencedor, considerou “inequívoca a simulação com o objetivo de obter economia tributária indevida”, afirmando que “a constituição da JEW não visava a uma atividade empresarial autêntica, mas tão somente a interpor uma pessoa jurídica entre a vendedora e o comprador final, a fim de fracionar artificialmente o fato gerador.” (Processo nº 11080.738432/2018-06).

                                       Qualquer esquema criado para que seus organizadores ganhem ou gerem um benefício ilícito se caracteriza como fraude fiscal, em que se utiliza da estrutura legal do sistema tributário para escapar de obrigações devidas.

                                       O conjunto de práticas e estratégias utilizadas por empresas para gerenciar e reduzir a carga tributária de forma legal é conhecido como planejamento tributário.

                                       O planejamento tributário abusivo se caracteriza como um comportamento ilícito, repudiado pelo direito, exatamente por transitar em terreno movediço, de simulação ou fraude à Constituição ou ao ordenamento jurídico como um todo.

                                       “A 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, em recente julgamento, entendeu que, se tratando de planejamento tributário - ainda que considerado abusivo - não havendo a comprovação da ocorrência de sonegação, fraude ou conluio, não há como sustentar a qualificação de penalidade, como pleiteado pela Fazenda Nacional em seu Recurso Especial julgado pela referida Turma (P.A. 19515.721820/2013-90).”

                                          “Destaca-se que o abuso de direito e a fraude à lei são institutos previstos no Código Civil, não podendo ser amoldados ao direito tributário com o intuito de qualificar alguma penalidade. Assim, com base nesse entendimento, segundo a maioria da Turma, a conduta praticada pelo contribuinte se tratava de típica operação de "empresa veículo" em procedimento de ágio, sem qualquer outro contorno que pudesse dar ensejo a qualificação de penalidade, não restando, portanto, enquadrada a fraude contra a lei que trata o art. 72 da lei 4.502/64, como alegado pelo Fisco, devendo, assim, ser aplicada apenas a multa de ofício.”

Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/355104/planejamento-tributario-abusivo-nao-caracteriza-fraude

                                       O citado artigo 72 da Lei 4.502 de 30 de novembro de 1964 que trata sobre o imposto de consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas, reza, “in verbis”:

 

Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido a evitar ou diferir o seu pagamento. (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4502.htm)

 

                                           Por fim, há de se entender que o planejamento tributário abusivo não caracteriza fraude ou sonegação, portanto não caracterizado o dolo apto a ensejar penalidade, quando não há ocultação da prática e da intenção final dos negócios levados a efeito.

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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

RESCISÃO IMOTIVADA DE RENOVAÇÃO DE SEGURO DE VIDA

 



 

                                       Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

 

                                       No universo jurídico, os princípios devem nortear as decisões, notadamente o da confiança e o da boa-fé.

                                        Na relação jurídica, as partes envolvidas devem agir com lealdade honestidade e respeito mútuo.

                                       A boa-fé objetiva impõe um padrão de conduta ética e colaborativa, exigindo que as partes considerem os interesses uma das outras e ajam de forma a não frustrar as expectativas legítimas geradas na relação estabelecida.

                                       A confiança é um elemento fundamental para a segurança e estabilidade das relações jurídicas.

                                       A boa-fé pressupõe agir com lealdade, honestidade, cooperação e transparência.

                                        Esses princípios aqui citados foram evocados em julgamento do STJ – Superior Tribunal de Justiça ao manter o seguro de vida de 28 anos após a seguradora negar renovação.

                                           “O colegiado considerou abusiva a rescisão imotivada de apólice renovada automaticamente por duas décadas, assegurando sua continuidade nas condições originais.”

                                           “Os ministros seguiram o voto do relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, ao entender que a não renovação automática, acompanhada da oferta de novo produto em condições mais onerosas, viola princípios como boa-fé e confiança, sobretudo diante da idade avançada do segurado.” Processo: REsp 2.015.204

Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/436663/stj-mantem-seguro-de-vida-de-28-anos-apos-seguradora-negar-renovacao

                                       Para ilustrar, segue a EMENTA do citado julgamento:

RECURSO ESPECIAL Nº 2015204 – SP

RELATOR: MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA ROCHA –

DECISÃO Trata-se de recurso especial fundamentado no art. 105, III, "a" e "c", da CF, interposto contra acórdão assim ementado (e-STJ fl. 453): AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER Seguro de vida - Expectativa do segurado, por contrato firmado há mais de 20 anos, de serem mantidas as condições do seguro tal qual contratado Razoabilidade - Boa-fé objetiva das relações contratuais Reconhecida a abusividade na não renovação do contrato pela seguradora Precedentes Sentença mantida Honorários de sucumbência já fixados em percentual máximo permitido pela lei adjetiva - Recurso improvido. Os embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ fls. 468/474). Em suas razões (e-STJ fls. 476/491), a parte recorrente aponta dissídio jurisprudencial e violação dos arts. 757, 760 e 774 do CC, porque (e-STJ fls. 486/487): [...] inequívoco que o v. acórdão ao manter a r. sentença de primeira instância, violou referidos artigos, eis que a renovação automática do contrato ocorre uma única vez, demonstrando que as renovações posteriores devem ser feitas obrigatoriamente de forma expressa. No caso em tela, não houve por parte da Recorrente modificação das cláusulas contratuais que estabeleça prestações desproporcionais; não houve elevação sem justa causa de preço, os Recorridos foram devidamente cientificados do novo produto, podendo aderir a ele ou não e, por fim, não houve modificação de conteúdo do contrato após os Recorridos terem aderido a ele, posto que se trata de nova vigência. [...] Não há qualquer dúvida de que a contratação do seguro, desde seu início, seu deu pelo ramo 93 – modalidade de seguro de vida em grupo, conforme documentos juntados aos autos. O próprio STJ já reconheceu a possibilidade de não renovação do contrato de seguro de vida, como é o caso em comento, bem como a possibilidade de reajuste por faixa etária.

                                           Em seu voto o Relator aponta que o Tribunal de origem considerou que se trata de um seguro de vida individual, entendendo que a sua não renovação afronta a boa-fé (e-STJ fls. 454/459): Trata-se de ação visando manutenção do contrato de seguro de vida individual, diante do cancelamento unilateral do contrato, após mais de 20 anos de sucessivas e automáticas renovações. O contrato de “seguro de vida individual” discutido nos autos foi firmado pelo autor em 28.11.1997, quando ele contava com 28 anos de idade (fls. 21), e foi renovado automática e sucessivamente, ano após ano, até 2019, quando a seguradora então resolveu não mais renová-lo. A matéria não é nova. A decisão da seguradora de não renovar o seguro de vida do segurado, sem nenhuma justificativa, depois de muitos anos e apesar de o autor estar com mais idade atualmente, não havendo, por isso, perspectiva de conseguir realizar novo seguro de vida nas mesmas circunstâncias, contraria os princípios que regem nosso ordenamento positivo, especialmente as disposições do Código Civil e dos contratos de consumo (conservação, boa-fé objetiva, equivalência, igualdade, transparência, confiança),e é, portanto, abusiva, devendo ser mantido o contrato tal como vinha sendo firmado pelas partes. A notificação da não renovação dos seguros, acompanhada de proposta de adesão a novo produto, demonstra, mais uma vez, a quebra da boa-fé objetiva por parte da seguradora, que não pretende manter o contrato nos moldes anteriores sem justificativa plausível, mas ao mesmo tempo quer manter o segurado em sua carteira de clientes, com condições mais vantajosas para si (seguradora) e mais onerosa ao consumidor. [...] Portanto, entendo que, decorridos mais de 20 anos de contratação do seguro de vida, tendo o segurado cumprido regularmente suas obrigações, a decisão de não o renovar ou de reajustá-lo de acordo com o pretendido pela seguradora, não tendo o segurado perspectiva de realizar novo seguro de vida nas mesmas condições que o anterior, contraria os princípios referidos e, por isso, é abusiva.

No caso dos autos, em que se reconhece a existência de seguro de vida individual que foi renovado ininterruptamente por longo período, aplica-se o entendimento firmado no REsp n. 1.073.595/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 29.4.2011 (AgRg nos EREsp n. 1.281.691/SP, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/6/2014, DJe 20/6/2014), segundo o qual, em tal contexto, "a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa-fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo".

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. Na forma do art. 85, § 11, do CPC/2015, MAJORO os honorários advocatícios em 20% (vinte por cento) do valor arbitrado, observando-se os limites dos §§ 2º e 3º do referido dispositivo. Publique-se e intimem-se. Brasília, 11 de setembro de 2024. Ministro Antonio Carlos Ferreira Relator.

                                        Ante o exposto, constata-se que a observância dos princípios que regem o ordenamento jurídico haverá de prevalecer, a fim de contribuir para o equilíbrio das relações contratuais, evitando abusos.

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